Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2025

Exposição revela o Pablo Picasso visto pela polícia francesa

Segunda, 19 de Abril de 2004 às 12:02, por: CdB

"Anarquista", "rebelde", espanhol que "só fala francês" e "comunista". A péssima imagem e as suspeitas que o pintor Pablo Picasso despertou na polícia francesa dos anos 30 e 40 são trazidas à tona esta semana em vários arquivos e fichas inéditas, reunidos numa exposição em Paris.

O Museu da Polícia, situado no coração da capital francesa, expõe a partir desta terça-feira esta coleção de documentos desconhecidos sobre o artista que mostram sobretudo as dificuldades do estrangeiro na França do início do século XX, começando pela vigilância e controle das forças de ordem.


Os arquivos policiais franceses, sobretudo os referentes a personalidades e inimigos de seus interesses, foram confiscados pelas tropas russas em 1945 e transferidos para os arquivos especiais de Estado da União Soviética, onde foram recuperados pelo governo francês em 2001.


"Faltavam três anos para fazer o inventário das 140 caixas de documentos recebidos", afirmou Claude Charlot, diretor dos arquivos.


Em meio àquela tarefa, surgiu um documento que chama a atenção, onde se lia: "Senhor ministro da Justiça: pela seguinte carta, tenho a honra de solicitar minha naturalização e pretendo pagar as despesas necessárias para isso".


Datada de 3 de abril de 1930, a carta tem a inconfundível assinatura de Pablo Picasso e o endereço do ateliê do artista.


Segundo os encarregados da exposição, nem mesmo os parentes do pintor sabiam que em algum momento de sua vida ele tinha pedido a nacionalidade francesa. Eram tempos em que o ditador Francisco Franco, no poder na Espanha, parecia se aliar a Hitler, o que tornaria Picasso um cidadão de uma potência inimiga na França.


Este documento é, sem dúvida, o mais chamativo desta coleção de fichas policiais, em que Picasso, desde sua primeira visita à França, em 1901, é chamado de "anarquista" pela polícia, que nunca deixou de observá-lo.


"Chegou a Paris em 5 de maio passado e desde então mora na casa de seu compatriota, o anarquista vigiado Manach Pierre", embora, "segundo a porteira do edifício, o jovem pintor não freqüente as reuniões de anarquistas nem emita opiniões subversivas".


Além disso, segundo os documentos expostos na mostra, Picasso falava "tão mal o francês que apenas se faz entender".


Para a polícia francesa da época, por viver sob o mesmo teto que um anarquista, Picasso devia "ser considerado anarquista também".


Quando anos depois, em 1940, Picasso pediu a nacionalidade francesa, ele já era um homem rico e famoso, com muitos amigos no país. O delegado do bairro parisiense onde vivia, La Madeleine, deu um parecer favorável, argumentando que "o pintor se acostumou ao estilo de vida francês" e "pagou 700.000 francos (antigos) de impostos no ano de 1939", uma quantia importante para a época.


No entanto, os serviços de inteligência da polícia não compartilham com a opinião do delegado local e negam a nacionalidade do artista porque "conservou idéias extremistas e evoluiu para o comunismo".


Picasso "não tem nenhum direito de obter a nacionalidade e deve ser considerado suspeito em todo o território nacional", segundo outro arquivo da época.


O artista espanhol, nascido em 1881 em Málaga (sul), morreu em 1973 em sua casa em Notre-Dame de Vie, em Mougins, sudeste da França.

Tags:
Edições digital e impressa