Rio de Janeiro, 16 de Dezembro de 2025

O nome da dona

Por Flávio Aguiar A prefeita de São Paulo tem razão ao reclamar quando seus adversários a chamam de "Dona Marta". Usada no âmbito privado, a palavra "dona" conota respeito e carinho. Mas no público não: adquire aí conotação pejorativa de desprezo machista. (Leia Mais)

Terça, 14 de Setembro de 2004 às 08:48, por: CdB

Está carregada de razão a prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, quando reclama que seus adversários, para desqualifica-la, a chamam de "Dona Marta". Usada no âmbito privado, a palavra "dona", e o masculino "seu" como em "seu José", conotam respeito, cuidado e até carinho. Mas o "dona", usado no domínio público, sem o consentimento da pessoa a quem se refere, adquire conotação pejorativa de desprezo, e no caso de desprezo machista.

Soa assim: "vá pra casa", "vá cuidar da cozinha", "vá cuidar de seus trapos", etc. Conota também, por essa mesma razão, que a pessoa alvo se supervaloriza autoritariamente. Não tem qualificação para estar onde está, no espaço público; deveria restringir-se ao espaço doméstico.
O "dona Marta" foi lançado por Paulo Maluf na campanha passada; mas lá era "dona Marta do PT". A eliminação da referência partidária aumenta o teor machista, pois associa o caráter autoritário da candidata, que não teria por que sê-lo, à sua condição de mulher.

Mas esse é apenas uma das expressões preconceituosas que vêm sendo mobilizadas contra Marta Suplicy. Outra que já apareceu é "essa mulher". "Onde está o dinheiro dessa mulher?" "Precisamos tirar essa mulher da prefeitura". E no mesmo caminho foi a expressão "Dona Marta e seus dois maridos" para desqualificar grosseiramente a participação do Senador Suplicy na campanha.

O curioso é que essas expressões, que remontam ao mundo cultural do mais reacionário machismo do patriciado brasileiro, não estão sendo mobilizadas por representantes de grotões retrógrados ou mesmo coronelícios. Não: são representantes do tucanato que as vêm chamando à liça, justamente aquele grupo que até dois anos atrás propunha-se como o representante da modernidade modernizadora mais modernizante que o Brasil já teve.

Ocorre que esse tucanato entrou em crise de identidade. Pode ser até que ganhe a prefeitura de São Paulo; mas a verdade é que não sabe muito bem o que fazer com ela. A campanha tucana pode ser descrita, em parte, mais ou menos assim: "veja o que o PT faz; pois eu faço melhor, porque sou mais capaz".

De resto, a tônica é de crítica ao petismo, e de mobilização de todas as mazelas do Brasil contra o PT. Propostas, visão do papel de São Paulo no Brasil, não há. Aparentemente o papel de São Paulo seria constituir o pólo principal de oposição a Brasília. O que vai acontecer com a cidade, nessa visão? Não se sabe. Não há palavras sobre a máfia dos transportes, por exemplo.

O que tirou o chão do tucanato? A guinada do PT e do Planalto à direita, de um lado, e de outro, a inclinação do PFL para uma retórica populista de direita, descobrindo subitamente que vivíamos num país cheio de miséria, desconforto, baixa renda etc. O tucanato ficou espremido no meio, com boa margem de votos, mas sem ter o que dizer.

Não deu a volta por cima; ao contrário, até o momento saiu por baixo, mobilizando nos casos apontados os piores ressentimentos, preconceitos e prejuízos que a sociedade brasileira guarda no porão, mas sempre prontos para vir à tona. Vieram. No peito de um modernífero sempre se encontra um coronel.

Os membros do tucanato apresentavam-se como os "cidadãos do mundo", que falavam a "linguagem global" diante de uma platéia de dinossauros ideológicos, ou de atrasados provincianos. Assim apresentavam-se, assim foram incensado e estimulados por boa parte da mídia, que procurava dar-se o mesmo papel. Eram cosmopolitas, eram os interlocutores civilizados de uma nação de pensamento atrasado e bárbaro, e os representantes da civilização adiantada perante ela.

Agora, se os tempos não mudaram, mudaram os personagens. O presidente Lula bate bola no Haiti, a diplomacia brasileira marca pontos na OMC e em outros pontos estratégicos. Se nós, da esquerda, não estamos felizes, o FMI parece estar com seus novos interlocutores. O tucanato governou o país com uma retórica social-democrata para aplicar uma cartil

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