Rio de Janeiro, 18 de Dezembro de 2025

O que é um herói do Brasil?

Por Maria Fernanda Arruda - Existe o Panteão dos Heróis Nacionais que fazem a coluna vertebral da História Oficial do Brasil, os Inconfidentes, Pedro I e Pedro II, os generais da Guerra do Paraguai, a Princesa Isabel. Não são muito populares, não têm muito a ver com o povo.

Sexta, 04 de Março de 2016 às 10:18, por: CdB

Existe o Panteão dos Heróis Nacionais que fazem a coluna vertebral da História Oficial do Brasil, os Inconfidentes, Pedro I e Pedro II, os generais da Guerra do Paraguai, a Princesa Isabel

Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro:
Existe o Panteão dos Heróis Nacionais que fazem a coluna vertebral da História Oficial do Brasil, os Inconfidentes, Pedro I e Pedro II, os generais da Guerra do Paraguai, a Princesa Isabel. Não são muito populares, não têm muito a ver com o povo. Não se trata de distorção peculiar nossa: o Panteão francês, por exemplo, magnífica construção que simboliza a grandiosidade nacional, guarda os restos mortais de Napoleão Bonaparte e muito outros heróis; mas a França não reconhece mulheres heroínas, não por não existirem, mas por serem do povo. E é por isso mesmo que a recente inclusão de Leonel de Moura Brizola entre os Heróis do Brasil assume, ela em si, uma importância histórica. Brizola construiu grande parte da História mais recente desse Pais e participou dela toda. Prefeito de Porto Alegre, deputado federal, governador por duas vezes do Rio Grande do Sul,duas vezes do Rio de Janeiro, presidente de honra da Internacional Socialista; marcou sua presença enquanto poder executivo com obras magníficas, a maior delas os CIEPS. Mas, como político, foi antes de tudo um "brigador", alguém que nunca aceitou concessões e meias-palavras. Um "brigador de coragem".
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Maria Fernanda Arruda Leonel Brizola construiu grande parte da História mais recente desse Pais e participou dela toda
Quando as Elites, tentaram impedir a posse de João Goulart, muito mais do que o seu cunhado, Brizola brigou na sua "Rede da Legalidade", qual tinha a aparência de uma luta de Don Quixote, frustrando-se quando ele, Jango, aceitou a redução do mandato aos limites de um parlamentarismo de oportunismo. Não teve acomodação, até que o povo restituísse a Jango o poder que lhe tinha sido outorgado. Em 1964 não cedeu, lastimando a decisão do Presidente deposto, de evitar o derramamento de sangue. Evitar o que? Algum povo fez digna a sua História sem sangue derramado? Certamente que não. E não custa lembrar, não se derramou muito sangue brasileiro em Canudos ou no Contestado? Esses dois momentos, marcando o começo e o fim do governo Goulart, fazem de Brizola a figura exemplar: em política negocia-se, mas não se renuncia. A contemporização, a grande constante na nossa vida nacional, não fazia parte do seu ideário. A rejeição intransigente do monopólio criminoso das Organizações Globo e da figura criminosa de Roberto Marinho é marcante em sua biografia. Brizola governou por duas vezes o Rio de Janeiro, sob o fogo constante das armas e munições da Globo. Em nenhuma hipótese, haveria de sua parte qualquer postura de concessões, como as que se fizeram e fazem. O "brigador corajoso" não desistiu, depois do golpe branco, praticado pela Televisão Globo, transferindo a vitória certa de Lula para as mãos criminosas de Fernando Collor de Mello. Quando Lula deixou os estúdios da TV, cabeça baixa e derrotado, só Brizola não aceitou, e foi impedido de trazer a público as provas das mãos marcadas de sangue de um dependente químico. Lula foi e é o reformista; Brizola sempre foi revolucionário. Figura utópica? Mas o que faz a História dos Povos não ser a sequência monótona de páginas iguais? No momento em que o reformismo se mostra esgotado e equipara os reformistas e os reacionários, faz falta uma figura respeitavelmente revolucionária. Diante de um Governo enfraquecido e desrespeitado, diante de anões que ocuparam o espaço da Instituições da República. O Rio de Janeiro foi se tornando muito mais do que uma instituição de existência apenas jurídico-constitucional. A cidade modernizada por Rodrigues Alves passou a concentrar a vida política da Nação, onde aconteciam obrigatoriamente todos os grandes eventos nacionais: a República Velha termina com as montarias gaúchas atreladas no Obelisco; e Brasília foi planejada no Catete. Mais do que isso, o Rio consolidou-se como a cabeça pensante, reunindo, além dos políticos, os escritores, poetas, artistas, jornalistas, as livrarias e as editoras. E foi nesse universo que se consolidou o espírito irreverente e crítico do carioca, de fato inspirado e muito na veia irônica de Machado de Assis. Por tudo isso, podemos entender assim, mais do que me qualquer outra parte do Brasil, o "brigador de coragem" foi identificado e aclamado. Voltando do exílio, Brizola foi furtado da legenda que seria a sua, o PTB, que a esperteza das elites entregou às mãos tíbias e negociadoras de Ivete Vargas. E assim nasceu o PDT, em 1980, pois o homem do chimarrão não fugia a embates e e nem temia traições. No Rio de Janeiro, o espaço que, juntamente com o Rio Grande do Sul, foi o lugar da resistência irreverente e critica, atemorizando os donos do poder e ocupando espaços da imprensa, que não o aceitava e não podia nega-lo. Brizola e Darcy Ribeiro, desafiando a mediocridade estúpida da ditadura, trouxeram para o Rio de Janeiro o desafio de ideias e soluções novas. Surgiram então nomes como os de César Maia, Marcelo Alencar, Saturnino Braga, Jamil Haddad. Gradativamente, isso era inevitável. A morte de Brizola foi se esvaziando o partido com um silêncio inibidor.
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Nos dias que correm, o Rio de Janeiro tornou-se reduto de um PMDB lastimável, símbolo da política transformada em negócio. O partido detém sob seu controle 38 dos 92 municípios do Estado, mais dois deles que são "aliados". Seus nomes notáveis: Pezão, Eduardo Paes, os Picciani, além do lastimável 'Exduardo Cunha'. Um esvaziamento da atividade econômica, com a transferência da capital para Brasília, acabou não tendo as proporções catastróficas que tinham sido imaginadas: um novo perfil da economia nacional, privilegiando o setor de serviços, manteve níveis de emprego, geração de impostos, atração de negócios e investimentos. A cidade do Rio confirmou sua vocação para a indústria do turismo. Mas, ao mesmo tempo, uma associação de marginais foi consolidando o poder de uma Máfia que precisou completar-se com o poder político. Existem esperanças? Podemos acreditar que elas existem e se farão realidade. Junto à presença marcante do PCdoB, ressurge um PDT que não renunciará a uma herança de Brizola. Isso ficará provado proximamente, quando, ao lado da CUT, do MST e de movimentos sociais, montar-se uma frente de defesa da Petrobrás. Utópico isso? Que o seja. Mais do que nunca vale o exemplo de Brizola, o "brigador de coragem". Não há condições e nem cabimento para negociações, acordos e criação artificial de espaços de convívio. É preciso dar o nome exato às coisas, aos comportamentos e às pessoas, sem que se use e abuse de palavras vagas, frases dúbias, enfim, vai se fazendo impossível fugir da realidade.   Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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