Simone Tebet declarou voto em Lula no segundo turno e passou a participar das manifestações da campanha. Tebet havia obtido mais de 4% do total de votos na primeira etapa das eleições e seu apoio explícito ao candidato com certeza foi fundamental para que Bolsonaro fosse derrotado por uma diferença relativamente pequena.
Por Paulo Kliass – de Brasília
A contribuição de Simone Tebet para eleição de Lula no pleito presidencial recente é fato que alcança a quase unanimidade dentre os analistas políticos em nosso País. Apresentada ao longo deste semestre como uma das alternativas para a tentativa de consolidação eleitoral da chamada “terceira via”, o fato concreto é que sua candidatura não decolou. Assim como ocorreu com outras tentativas lançadas pelos setores das classes dominantes para tentar fugir da suposta polarização Lula x Bolsonaro, ela não obteve apoio junto ao eleitorado que a permitisse chegar ao segundo turno.Tebet: área social ou economia?
As áreas sociais eram consideradas como uma prioridade do PT. A área ambiental tinha como destino preferencial a também colaboradora fundamental para o resultado eleitoral, Marina Silva. Assim, a própria postura não colaborativa de Tebet foi estreitando suas opções de pastas a ocupar. Ela talvez tenha se considerado mais importante do que de fato se apresentava nas demandas. Tentou um blefe junto a Lula e não logrou efeito. Assim, ao que tudo indica ficará com um ministério de menor exposição pública, o antigo Planejamento e Orçamento em um novo desenho de toda a Esplanada. No entanto, o cargo será responsável por decisões estratégicas para consolidação do sucesso do futuro governo. Talvez o principal aspecto de tal decisão encontre-se no fato de que, ao contrário do que pleiteava desde o início, Tebet vai ficar com um ministério da área econômica. Caso a configuração dos colegiados desta importante esfera das políticas públicas não seja alterado, a indicada deve compor o Conselho Monetário Nacional (CMN), junto ao Ministro da Fazenda (Fernando Haddad) e o Presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Netto. É importante relembrar que a manutenção do responsável pela política monetária um dos inúmeros componentes da herança maldita do governo bolsonarista. Ora, é mais do que sabido que Tebet tende a se alinhar bastante com uma abordagem mais conservadora e ortodoxa nas questões da economia. Ao longo dos últimos anos, o MDB consolidou o ideário neoliberal em seu programa, tal como no famoso documento “Ponte para o Futuro”, que ofereceu as bases para a desastrosa passagem de Henrique Meirelles pelo Ministério da Fazenda, durante o governo golpista de Michel Temer. Ali teve início o processo de desmonte das políticas públicas e de destruição do Estado, com a retomada da privatização de empresas estatais e a aprovação da EC 95, com a introdução do Novo Regime Fiscal na Constituição e do famigerado teto de gastos.MDB atual é ortodoxo na economia
A saudação de boa parte dos órgãos dos grandes meios de comunicação à indicação de Tebet no Planejamento oferece a chave para compreender os riscos de tal decisão de Lula. O CMN poderia passar a ter uma composição que pode colocar em xeque a implementação de políticas de caráter heterodoxo e desenvolvimentistas. Essa era intenção inicial, quando da sondagem para que André Lara Rezende concordasse em ocupar a pasta. Nesse caso, haveria dois nomes no colegiado com capacidade e competência na área para se opor ao liberalismo excessivo de Campos Netto. Lula sabe que precisa apresentar soluções de curto prazo para assegurar a aceitação de seu novo governo junto à maioria da população. Ora, a implementação de suas propostas de programa de caráter emergencial (reajuste real do salário mínimo, recuperação de obras públicas, retomada do Bolsa Família, entre outros) envolve a flexibilização da rigidez da política de austeridade fiscal. A recuperação do protagonismo do Estado e o lançamento das bases de um projeto nacional de desenvolvimento exige o aumento das despesas públicas e orçamentárias. Esse movimento não encontra amparo nas propostas que o MDB tem apresentado ao País ao longo dos últimos tempos. Aliás, muito pelo contrário. Tebet não é uma especialista em orçamento ou planejamento. É de se imaginar que vá se cercar de economistas de sua órbita política próxima, onde figuram pessoas que não apresentam as credenciais de uma figura como a professora Esther Dweck, por exemplo. Apesar de sua reconhecida experiência como Secretária do Orçamento Federal e outros cargos importantes na Esplanada durante os governos do PT, ela foi terminou por ficar deslocada durante as negociações para uma parte menos estratégica da pasta e deverá ficar incialmente apenas com os órgãos ligados à gestão. Os riscos de Tebet no Planejamento envolvem a criação de barreiras e dificuldades para a que o governo Lula adquira a sua verdadeira face em prol de desenvolvimento e da superação das desigualdades. Quando ela indicar a lista de seus colaboradores, o cenário para o período que se inicia no dia primeiro de janeiro deverá ficar mais cristalino. Lula deveria refletir sobre a necessidade de ampliar a composição do CMN para evitar surpresas desagradáveis ao longo do percurso. Já basta a presença do presidente do BC indicado por Paulo Guedes a permanecer como uma ameaça de sabotagem ao projeto mudancista. A Tebet da campanha eleitoral, quando todo mundo era contra Bolsonaro, talvez não seja a mesma da futura ministra em área da economia. A implementação da agenda positiva do futuro governo vai exigir também uma ruptura com as bases ortodoxas e neoliberais de seu próprio partido, o MDB.Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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