Rio de Janeiro, 17 de Dezembro de 2025

Percepção do sabor pode ir além do paladar, segundo especialista

O sabor costuma ser relacionado ao paladar, pois nossas papilas gustativas estão localizadas na boca. Mas, na verdade, o gosto está ligado a todos os sentidos, principalmente ao olfato. Para explicar como o cérebro cria o sabor surgiu a ideia da neurogastronomia, uma união da neurologia e da gastronomia, que é um dos temas do Festival do Olfato deste ano, realizado nesta semana em Bolonha, na Itália.

Segunda, 26 de Maio de 2014 às 08:09, por: CdB
saudepaladares.jpg
Neurogastronomia estuda como o cérebro estabelece o gosto, além da boca, nariz, olhos e ouvidos influenciam relação com alimentos, assim como fatores sociais e culturais Sabor é composto pelos cinco sentidos, diz Valussi De olhos e narizes fechados, fica mais difícil identificar os alimentos
O sabor costuma ser relacionado ao paladar, pois nossas papilas gustativas estão localizadas na boca. Mas, na verdade, o gosto está ligado a todos os sentidos, principalmente ao olfato. Para explicar como o cérebro cria o sabor surgiu a ideia da neurogastronomia, uma união da neurologia e da gastronomia, que é um dos temas do Festival do Olfato deste ano, realizado nesta semana em Bolonha, na Itália. Num curso, que foi oferecido no festival, o herborista e especialista em neurogastronomia Marco Valussi revela os princípios básicos dessa ciência através de alguns experimentos. Com os olhos fechados e o nariz tampado, os participantes degustam uma série de líquidos desconhecidos e descrevem o aroma de duas bebidas de cores diferentes. O olfato é o primeiro e mais importante sentido a ser explorado em combinação com o paladar. Embora eles possuam vias neurológicas distintas, a ideia de que o gosto é sentido na boca e o cheiro no nariz não é estritamente verdadeira, afirma Valussi. O olfato é um sentido duplo, composto pelos olfatos ortonasal, via nasal, e retronasal, via oral. "A diferença é sentir o cheiro de algo que está fora do nosso corpo, no ambiente (olfato ortonasal), e de algo que está dentro do nosso corpo, principalmente na cavidade oral (olfato retronasal). Ou seja, quando cheiramos algo que estamos comendo, mastigando", diz Valussi. Segundo o especialista, é impossível separar o olfato retronasal do paladar, porque ambos ocorrem ao mesmo tempo e no mesmo lugar, além de ter a mesma origem, ou seja, o alimento que comemos. Cheiro do gosto
especialistasaude.jpg
Há um experimento simples para simular o olfato retronasal. Valussi corta cebolas e maçãs em cubos bem pequenos. Com os olhos fechados e o nariz tampado, os alunos colocam os cubos na boca – e, assim, não conseguem identificar diferenças entre o sabor dos dois alimentos. Ao destapar o nariz, percebe-se imediatamente qual deles se tem na boca. Segundo Valussi, isso ocorre porque só reconhecemos cinco gostos básicos: doce, salgado, amargo, ácido e umami – reconhecido por nosso paladar quando comemos alimentos que possuem aminoácidos e nucleotídeos. Por outro lado, podemos sentir o cheiro de milhões de estímulos olfativos diferentes. - Assim, é óbvio que, quando os dois sentidos agem juntos, a sensação é muito mais rica do que apenas a dos cinco gostos - reforça. A maioria das pessoas que já teve uma gripe forte deve ter percebido o efeito que um nariz entupido provoca na percepção do sabor. Essa perda do olfato é chamada de anosmia e pode ser causada por lesões ou doenças. Os efeitos desse fenômeno revelam a importância desse sentido. "Ao ler ou escutar entrevistas feitas com pessoas que sofrem de anosmia, elas dizem que todos os aspectos relacionados à sensualidade foram empobrecidos com a perda do olfato", diz Valussi. Visão e som do gosto Mas o olfato não é o único sentido que age ao lado do paladar para gerar a percepção do sabor. A consistência e a temperatura, que fazem parte do tato, são fundamentais para criar a percepção do sabor. Além disso, a visão também contribui para o gosto. Valussi propõe as participantes do curso de neurogastronomia que descrevam o sabor de duas bebidas, uma branca e outra vermelha. O líquido vermelho é considerado mais intenso e descrito com adjetivos relacionados a frutas tropicais. Já o branco é descrito como mais delicado e relacionado a maçãs verdes e frutas com cores suaves. Na realidade, o suco era o mesmo, mas o vermelho possuía um corante. - A cor e a aparência determinam nossas expectativas sobre o alimento - reforça Valussi. E a expectativa muda a forma como percebemos a comida na boca. Ao vermos uma bebida de cor forte, tendemos a pensar que ela tem um sabor forte, "assim, quando a bebemos, criamos expectativas e, em parte, sentimos um sabor mais forte do que o da bebida mais clara", diz o especialista. Também a audição afeta a percepção do gosto. E essa forma de degustar já foi percebida pelos fabricantes de batatas fritas: a frequência sonora que elas produzem ao serem mastigadas determina a sensação de frescor. - Batatas com uma frequência sonora menor tendem a ser descritas como não frescas e menos crocantes do que as com uma frequência maior - diz Valussi. Cultura e costumes
saudesaberpaladar.jpg
Além de fatores fisiológicos, a neurogastronomia também abrange aspectos sociais e culturais que influenciam a percepção de sabores, criando uma espécie de opinião de massa. Em um experimento, participantes do curso provam cinco opções de solução de açúcar para decidir qual é a mais doce. A maioria tende a escolher a com baunilha, embora todas sejam identicamente doces. "Um cheiro culturalmente associado a um sabor doce é reconhecido por pessoas com os mesmos valores culturais, que dividem a mesma percepção e o leem como agente doce", comenta Valussi. Em outras palavras, as pessoas pensam que o açúcar com baunilha é mais doce, justamente porque costumam comer baunilha com coisas doces. Se pimenta for adicionada à uma solução de açúcar, a tendência será descrevê-la como menos doce, porque esse ingrediente costuma fazer parte de pratos salgados.  
Tags:
Edições digital e impressa