As declarações fazem parte do que Washington definiu como “um ‘corolário Trump’ à Doutrina Monroe” para “restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental”.
Por Redação, com DW – de Doha
Chefe da diplomacia da União Europeia (UE), a diplomata Kaja Kallas afirmou, neste sábado, que os Estados Unidos continuam sendo o maior aliado da Europa, após o governo do presidente Donald Trump ter declarado em um importante documento estratégico que o continente enfrenta a ameaça de uma “extinção civilizacional” e pode um dia perder seu status de aliado confiável. A nova estratégia de segurança nacional da Casa Branca, divulgada nesta sexta-feira, retrata os aliados europeus como enfraquecidos e visa reafirmar o domínio norte-americano no Hemisfério Ocidental; além de aumentar sua influência na América Latina .

As declarações fazem parte do que Washington definiu como “um ‘corolário Trump’ à Doutrina Monroe” para “restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental”. A Doutrina Monroe de 1823, formulada pelo presidente norte-americano James Monroe, que visava originalmente se opor a qualquer interferência europeia no Hemisfério Ocidental, acabou sendo usada para justificar as intervenções militares dos EUA na América Latina.
Autoconfiança
A divulgação da nova estratégia de segurança gerou incômodo entre os aliados de longa data dos EUA na Europa por suas críticas contundentes às suas políticas de imigração e medidas associadas ao tema da liberdade de expressão, como o combate ao discurso de ódio e à disseminação de notícias falsas, que Washington interpreta como “censura”.
— Há muitas críticas, mas acho que algumas delas também são verdadeiras. Se você observar a Europa, ela tem subestimado seu próprio poder em relação à Rússia. Deveríamos ter mais autoconfiança. Os EUA ainda são nosso maior aliado. Nem sempre concordamos em todos os assuntos, mas o princípio geral permanece o mesmo. Somos os maiores aliados e devemos permanecer unidos. A Europa tem subestimado seu próprio poder. Em relação à Rússia , por exemplo (…) deveríamos ter mais autoconfiança — disse Kallas em um painel no Fórum de Doha, no Catar.
Kallas, porém, criticou o papel dos EUA nas negociações de paz sobre a guerra na Ucrânia , no momento em que autoridades ucranianas e americanas iniciam o terceiro dia consecutivo de negociações em Miami, que visam pôr fim a mais de três anos de guerra com a Rússia.
Estratégia
O plano anunciado recentemente por Washington implica na cessão de territórios que a Rússia não conseguiu conquistar da Ucrânia no campo de batalha, em troca de promessas de segurança que não atendem às aspirações de Kiev de ingressar na Otan .
— Impor limitações e pressão à Ucrânia, na verdade, não nos traz uma paz duradoura. Se a agressão for recompensada, veremos isso acontecer novamente, e não apenas na Ucrânia ou (na Faixa de) Gaza, mas em todo o mundo — acrescentou.
A retórica utilizada na nova estratégia de segurança nacional é motivada pela filosofia “América em primeiro lugar” de Trump, que questiona décadas de relações estratégicas e prioriza os interesses dos americanos. O documento sugere que os europeus enfrentam uma “perspectiva de extinção civilizacional” e levanta dúvidas sobre sua confiabilidade a longo prazo como parceiros dos norte-americanos.
Alianças
Ao mesmo tempo em que critica duramente as democracias da Europa e realiza uma campanha agressiva de ataques a embarcações supostamente criminosas na América Latina, Washington repreende os esforços de governos anteriores para exercer influência ou criticar nações do Oriente Médio e tenta desencorajar tentativas de mudanças nos governos e nas políticas desses países.
A primeira estratégia de segurança nacional do segundo mandato de Trump – cuja divulgação é obrigatória por lei – promove uma ruptura drástica com o curso estabelecido por seu antecessor, o democrata Joe Biden , que buscou revitalizar as alianças depois dos abalos sofridos por muitas delas no primeiro mandato do republicano na Casa Branca, e conter uma Rússia cada vez mais assertiva no cenário internacional.
O fim da guerra entre Ucrânia e Rússia , que já dura quase quatro anos, é um objetivo que a estratégia de segurança nacional dos EUA diz ser de vital interesse para o país. O documento, porém, deixa claro que os EUA querem melhorar seu relacionamento com a Rússia depois de anos em que Moscou foi tratado como um pária global e que o fim da guerra seria um meio para “restabelecer a estabilidade estratégica com a Rússia”.
Influência
Washington acusa seus aliados europeus, que muitas vezes divergem de Trump em relação à guerra na Ucrânia, de estarem diante não apenas de desafios econômicos internos, mas também de uma crise existencial. Segundo o texto, a estagnação econômica na Europa “é ofuscada pela perspectiva real e mais sombria de um apagamento civilizacional”.
“Caso as tendências atuais continuem, o continente estará irreconhecível em 20 anos ou menos. Assim, está longe de ser óbvio se certos países europeus terão economias e Forças Armadas suficientemente fortes para permanecerem aliados confiáveis”, diz o texto.
O documento também menciona a ascensão de partidos políticos de ultradireita na Europa – os quais Washington vê como aliados – que têm se manifestado abertamente a contra a imigração irregular e as políticas climáticas .
“Os Estados Unidos incentivam seus aliados políticos na Europa a promoverem esse renascimento de espírito, e a crescente influência de partidos patrióticos europeus realmente dá motivos para grande otimismo”, afirma o documento norte-americano.
Putin
A Comissão Europeia rejeitou veementemente as acusações contra a UE contidas na nova estratégia de segurança nacional. A principal porta-voz da Comissão, Paula Pinho, rejeitou nesta sexta-feira as alusões de que a UE mina a liberdade política e a soberania, prejudica o continente com sua política migratória e dificulta a liberdade de expressão. Pinho, no entanto, não quis aprofundar os comentários sobre o posicionamento de Washington.
— Ainda não tivemos tempo de analisá-la, avaliá-la, então não estamos em posição de comentar — disse a porta-voz.
O ministro do Exterior da Alemanha, Johann Wadephul, reconheceu que os EUA são “nosso aliado mais importante” na Otan , mas disse que questões sobre liberdade de expressão ou “a organização de nossas sociedades livres” não fazem parte das discussões da aliança.
— Também não achamos que alguém precise nos dar conselhos sobre isso — disse Wadephul.
América Latina
Enquanto planeja aumentar sua influência nas Américas, o governo Trump vem realizando uma série de ataques militares contra supostos barcos do narcotráfico no Mar do Caribe e no leste do Oceano Pacífico, ao mesmo tempo em que avalia uma possível ação militar na Venezuela contra o regime do presidente Nicolás Maduro .
O documento estratégico de Trump afirma que seu objetivo é combater o narcotráfico e controlar a migração . Os EUA também estão repensando sua presença militar na região. Isso significa, por exemplo, “desdobramentos direcionados para garantir a segurança da fronteira e derrotar os cartéis, incluindo, quando necessário, o uso de força letal para substituir a estratégia fracassada das últimas décadas de apenas aplicar a lei”, resume o documento.