Aliança entre Lula e Alckmin fica mais perto após novas negociações

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Publicado Sexta, 07 de Janeiro de 2022 às 13:14, por: CdB

Embora Lula e Haddad tenham deplorado a truculência da Polícia Civil paulista, o ocorrido e a repercussão nas redes sociais tiveram significado relevante para os estrategistas de ambas as legendas, que passaram a considerar um novo desdobramento para as negociações em curso.

Por Redação - do Rio de Janeiro e São Paulo
A aliança entre o PT e o PSB, que tende a permitir a formação da chapa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-tucano paulista Geraldo Alckmin (sem partido) às eleições presidenciais, pode estar mais próxima do que avaliam os analistas políticos. Principal entrave para o acordo, a possível candidatura do ex-governador paulista Márcio França sai fragilizada de uma ação policial, no início da semana, enquanto o pré-candidato petista ao governo do Estado de São Paulo, o professor Fernando Haddad, assume a liderança isolada na corrida eleitoral.
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No campo acadêmico, o sociólogo Werneck Vianna avalia positivamente uma possível chapa Lula/Alckmin
Embora Lula e Haddad tenham deplorado a truculência da Polícia Civil paulista, o ocorrido e a repercussão nas redes sociais tiveram significado relevante para os estrategistas de ambas as legendas, que passaram a considerar um novo desdobramento para as negociações em curso. Segundo apurou a reportagem do Correio do Brasil, nesta sexta-feira, o PT estaria disposto a apoiar os nomes do PSB nas capitais do Rio Grande do Sul e Pernambuco, redutos caros aos socialistas. Em contrapartida, o partido cerraria fileiras na campanha petista de Fernando Haddad. Na última quarta-feira, policiais civis realizaram batidas em endereços ligados ao ex-governador e à sua família, como parte de uma apuração sobre desvios da saúde ocorridos em 2018, que já teve réus condenados no processo. De imediato, França refutou irregularidades e apontou o adversário tucano João Doria (PSDB), atual inquilino do Palácio dos Bandeirantes, como autor de uma perseguição política.

Argumentos

O desdobramento do inquérito judicial contra França, no entanto, apenas agravou a crise interna em curso no PSB e fortaleceu candidatos estaduais, como Marcelo Freixo (RJ), favorável à aliança ampla que inclui a formação da chamada federação partidária com o PT. Na outra ponta, o presidente da legenda, Carlos Siqueira, que negocia mais duramente com os petistas, perde uma parcela do argumento com o possível apoio do PT a nomes como Geraldo Júlio em Pernambuco e Beto Albuquerque, no Rio Grande do Sul. O apoio aos socialistas já está assegurado, no entanto, em outros colégios eleitorais importantes para o PSB, a exemplo do Maranhão, onde o governador Flávio Dino será candidato a um novo mandato; e no Rio de Janeiro (Freixo), por uma negociação bastante anterior ao diálogo atual. A solução colocada pela cúpula petista na mesa de negociações também pacifica o ingresso de Alckmin na legenda e coloca fim às especulações quanto ao ingresso do ex-presidenciável em outras legendas, como o PSD de Gilberto Kassab e, recentemente, ao PV e ao Solidariedade, de Paulinho da Força. Academia A formação da chapa Lula/Alckmin, embora criticada por setores da centro-esquerda, contudo, é defendida por amplos segmentos de ambas as legenda, aí incluído o socialista Márcio França. Para o influente sociólogo Luiz Werneck Vianna, a formação de uma aliança com a centro-direita – representada por Alckmin – é um fato positivo capaz de decidir as eleições ainda no primeiro turno. Em recente artigo, intitulado ‘Em política o que é, é’, Vianna pontua que “o credo neoliberal vocalizado em tom triunfante por Margareth Thatcher de que essa coisa de sociedade não existe tem encontrado refutação eloquente na cena brasileira atual”. E lembra que a política de alianças está na história da esquerda mundial. Leia, adiante, a íntegra do artigo: Em política o que é, é A sociedade está entregue a si mesma, ao desamparo de partidos e de vozes que a representem e mesmo assim, por meio de suas instituições ou até por fora delas, tem-se demonstrado capaz de se defender da pandemia que nos infesta diante de um governo omisso e até conivente com ela por sua postura refratária às prescrições recomendadas pela ciência. Contudo, apesar dele, os brasileiros acorrem em massa aos postos de vacinação e ao uso de máscaras e se disseminam práticas de autodefesa nas periferias por meio de práticas solidárias, especialmente nos seus setores subalternos afligidos por uma situação de miséria crescente. O credo neoliberal vocalizado em tom triunfante por Margareth Thatcher de que essa coisa de sociedade não existe tem encontrado refutação eloquente na cena brasileira atual. A constatação desse fato benévolo torna ainda mais gritante a ausência dos partidos políticos democráticos, principalmente os de esquerda, nos movimentos sociais, limitados às suas ações no âmbito parlamentar numa conjuntura onde ainda se fazem presentes ameaças reacionárias e fascistas. No mundo desertificado da política atual não se pode fazer ouvidos moucos a importante iniciativa de dois próceres da nossa política, Lula e Alkmin, de conceber uma ampla coalizão a fim de pela via eleitoral fechar as portas para o caminho de desgraças que acomete o país. A esquerda é herdeira de uma rica história de alianças, às vezes celebradas em condições adversas como nas lutas contra o nazi-fascismo em que soube, nos interesses do bem comum, superar divergências e antagonismos. É verdade que no teatro das nações do mundo nosso país ocupa ainda uma posição secundária, embora estejamos situados bem perto do coração do país ainda hegemônico nas relações internacionais, hoje polarizado em torno dos projetos de Biden e de Trump, o primeiro empenhado em devolver seu país aos trilhos que lhe foram naturais, e o segundo claramente orientado por um neoliberalismo que o conduz a uma política isolacionista e imperial. Trumpismo Estamos, desde já, envolvidos nessa disputa, basta ver os contatos frequentes entre o vértice do bolsonarismo e quadros dirigentes do Partido Republicano dos EUA, inevitável que as posições que resultarem das nossas próximas eleições vão interferir nesse tabuleiro, circunstância que empresta a elas, além da possibilidade de livrar o país do flagelo do governo Bolsonaro, uma maior significação no cenário internacional. É preciso impedir que o trumpismo estabeleça uma cabeça de ponte em nosso país e daí irradie sua influência para os demais países latino-americanos. O tamanho da encrenca exige o recurso a remédios heróicos como o que ora entra em linha de elaboração, a que o conjunto das forças e personalidades democráticas não pode ser indiferente. Ao contrário, deve proceder para melhor cimentar e alargar as vias ainda em esboço para uma ampla coalizão democrática. Em política o que é, é, não há uma terceira via no horizonte, salvo na fabulação de uns poucos. Não faz sentido, registre-se, conceber um juiz julgado pelos mais eminentes dos seus pares como parcial em sentenças que proferiu como alguém credenciado à postulação presidencial.  Soluções De fato, nas trajetórias dos dois personagens envolvidos na trama dessa auspiciosa negociação houve momentos erráticos, mas nada que os comprometa em suas adesões aos princípios da democracia política. São ambos confiáveis nesse quesito incontornável, e como detém currículos que atestam suas práticas de governança, podem e devem ser advertidos pelas forças e personalidades que a eles vierem se agregar para participarem da coalizão que lideram do que recusam em seus comportamentos pretéritos. No caso do PT, particularmente sua história pregressa de hegemonismo e sua nem sempre nítida percepção de que governo e Estado são dimensões separadas e dotadas de autonomia são temas a exigir manifestações autocríticas diante da opinião democrática. Em negociações francas e abertas animadas pelo propósito de remover a política nefasta que a todos oprime, tal objetivo, certamente difícil, mas de nenhum modo impossível, pode descerrar o que ainda impede a construção da estrada real que nos livre dos males da hora presente. Igualmente, não consiste em tarefa acima da escala humana encontrar soluções para os complexos ajustes entre as eleições presidenciais e as estaduais, com que contamos com o tirocínio de políticos experimentados capazes de dar nó em pingo d´água. Não experimentar essa janela de oportunidade, cedendo, mais uma vez, espaço para que ambições pessoais por poder e patriotismos identitários ocupem o lugar que deve ser protegido em nome da defesa do interesse comum, é tudo o que desejam aqueles que atuam no sentido de reproduzir nas eleições o governo que aí está. Coalizões Não é preciso conhecer as lições de Maquiavel e A arte da Guerra a fim de ponderar o papel da correlação de forças políticas nos desfechos das disputas pelo poder. Grossos e poderosos interesses fazem parte das linhas de sustentação do governo Bolsonaro, que detém o poder da caneta, como se diz, e o controle da imensa e capilarizada malha com que o Estado recobre a sociedade, inclusive nos seus remotos rincões. A experiência nesses já longos anos com a clique que se mantém no poder ensina que não se deve subestimar sua capacidade de manobrar no terreno da política. A rusticidade da sua aparência é enganadora, como restou demonstrado na bem-sucedida operação em que, num momento de fraqueza, recorreu a aliança com o ‘Centrão’ afastando os riscos de um iminente impeachment e ganhando novo fôlego nas disputas eleitorais. No passado as forças democráticas, em momentos decisivos, souberam inovar na construção de amplas coalizões políticas, essa experiência faz parte do seu repertório que nos cumpre agora reprisar. Luiz Werneck Vianna é sociólogo, catedrático da Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 
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