Portugal: decisão de juiz sobre traição de mulher causa polêmica

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Publicado quarta-feira, 25 de outubro de 2017 as 12:10, por: CdB

Após a ampla divulgação da sentença, a sociedade civil e entidades de defesa dos direitos humanos mostraram preocupação com a legitimação

Por Redação, com ABr – de Lisboa:

Nesta semana, em Portugal, uma polêmica decisão da Justiça ganhou as manchetes dos jornais. Para fundamentar acórdão de caso de violência doméstica praticada contra uma mulher, na cidade do Porto, o juiz minimizou a sentença do agressor pelo fato de ela ter cometido adultério.

Para fundamentar acórdão de caso de violência doméstica praticada contra uma mulher, na cidade do Porto, o juiz minimizou a sentença do agressor

O assunto teve muita repercussão e mais de 7 mil pessoas já haviam assinado, até o final da manhã desta quarta-feira; uma petição pedindo ao Conselho Superior de Magistratura (CSM) e ao Provedor de Justiça que se manifestem sobre o caso. O autor da sentença é Joaquim Neto de Moura, desembargador do Tribunal da Relação do Porto.

O texto da petição afirma que “a desigualdade e a subalternização das mulheres é uma realidade quotidiana da sociedade portuguesa. Mas não contávamos vê-la, assim, expressa de uma forma tão óbvia e tão indigna por parte de um órgão de soberania. Indigna para mulheres, indigna para homens”.

O acórdão assinado pelo juiz no dia 11 de outubro, afirma que a conduta dos agressores ocorreu em um contexto de adultério praticado por uma mulher e traz uma citação da Bíblia para justificar a violência cometida.

– Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte – afirmou o juiz, na polêmica sentença.

O acórdão diz ainda que o adultério é uma conduta que a “sociedade sempre condenou; e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras); e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher. Foi a deslealdade e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido X cair; em profunda depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta que praticou o ato de agressão”.

Repúdio

Após a ampla divulgação da sentença, a sociedade civil e entidades de defesa dos direitos humanos mostraram preocupação com a legitimação; e o incentivo de comportamentos violentos contra mulheres; usando como justificativas possíveis adultérios.

Entidades como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e o próprio Conselho Superior de Magistratura vieram a público alertar sobre a necessidade de se respeitar os valores expressos na Constituição portuguesa.

O CSM, em nota, afirmou que a “obediência dos juízes à Constituição e à lei determina, necessariamente; que as sentenças dos tribunais devem espelhar essa fonte de legitimidade, realizando a justiça do caso concreto sem obediência; ou expressão de posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o sentimento jurídico da sociedade em cada momento; expresso, em primeira linha; na Constituição e Leis da República, aqui se incluindo, tipicamente, os princípios da igualdade de gênero e da laicidade do Estado”.

A Amnistia Internacional Portugal

A Amnistia Internacional Portugal, entidade de defesa dos direitos humanos; expressou, em nota divulgada no site, a preocupação “não só pela atuação dos juízes desembargadores ao arrepio dos preceitos legais e constitucionais. Mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de misoginia, sem ter em conta os direitos das mulheres; e como recurso à compreensão da violência para vingar a honra e a ‘dignidade do homem’”.

O texto ressalta ainda que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é parte. Mas também às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica; conhecida como Convenção de Istambul.

O caso

No caso em questão, dois homens (o marido e um amante; com quem a mulher teria tido uma relação durante dois meses) tiveram as penas de prisão suspensas pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida; perturbação da vida privada, injúrias, ofensa à integridade física e sequestro.

De acordo com o processo judicial, após a mulher terminar as duas relações; os homens a ameaçaram, ofenderam, perseguiram, e a espancaram com um pedaço de madeira com pregos nas pontas. O documento traz a descrição de diversos ferimentos por todo o corpo; inclusive com corte no rosto que teve de ser suturado.

Histórico

Joaquim Neto de Moura, em um acórdão de junho de 2016; já havia escrito que “uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita; desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral”. E concluiu que “não surpreende que recorra ao embuste, à farsa; à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”.